A Educação que Emancipa: O aluno aprende melhor ouvindo ou lendo? Observando ou ouvindo explicações?

No livro “O Mestre Ignorante”, Jacques Ranciere escreve sobre o pensamento de Joseph Jacotot, professor na época da Revolução Francesa que teve ideias brilhantes sobre a forma que as pessoas aprendem. A partir de experiências e observações, ele chegou à conclusão que os alunos podem aprender mais e melhor sem as explicações de um professor. Eles podem aprender por meio das explicações e raciocínios no próprio livro ou material didático.  

“Eis, por exemplo, um livro entre as mãos do aluno. Esse livro é composto de um conjunto de raciocínios destinados a fazer o aluno compreender uma matéria. Mas, eis que, agora, o mestre toma a palavra para explicar o livro. Ele faz um conjunto de raciocínios para explicar o conjunto de raciocínios em que o livro se constitui. Mas, por que teria o livro necessidade de tal assistência? Ao invés de pagar um explicador, o pai de família não poderia, simplesmente, dar o livro a seu filho, não poderia este compreender, diretamente, os raciocínios do livro?”
No depoimento do aluno abaixo, ele deixa claro que o grande mestre foi o material didático. Com a propriedade de quem aprendeu equação sem ter visto na escola com um professor explicador, mas sozinho no material didático, ele até cita o Kumon, material didático, como mestre.

“...Querido Kumon,
Quantos anos da minha vida compartilhei com você!
Nesse tempo, comecei a estudar português com você também, Kumonzinho. Era mais uma tarefa, mais uma responsabilidade, mas eu já conseguia compreender a importância que você tinha em minha vida. Eu pensava: "Se já tenho tanta facilidade na escola, não só em matemática, mas nas outras disciplinas também, imagine se eu fizer o Kumon de português!". E foi assim que comecei a conhecer os grandes escritores. Personagens como Dom Quixote de La Mancha e Vasco da Gama me despertaram de tal maneira para o mundo dos livros que nunca mais parei de ler.
Foi graças a você, Kumonzinho, que eu aprendi a estudar sozinho e descobrir o mundo por mim mesmo. A final, você nunca me explicava muito como resolvê-lo. Bastava um exemplo e eu conseguia solucionar todos os probleminhas que você me apresentava. E isso foi fundamental para o meu sucesso na escola. Comecei a me destacar entre meus colegas de turma da 7a série e, desde então, sempre estive entre os mais aplicados. Mas isso era tão natural, Kumonzinho, que nem eu sabia exatamente o que me fazia ter tanta facilidade para aprender as coisas. Foi então que percebi que era você o meu grande mestre. É! Você, Kumonzinho! Você quem me ensinou a buscar o conhecimento, vencer desafios e ser um aluno concentrado e disciplinado.
E foi por tais qualidades adquiridas com anos de convívio com você que eu cheguei no meu último ano do Ensino Médio com grandes chances de ser aprovado no curso superior de minha escolha, a Medicina. Embora fosse o curso mais concorrido, sempre mantive a confiança e o equilíbrio mental que você e a Tia Bet me ensinaram a ter. Ao contrário do que ocorreu com quase todos os meus colegas, a preparação para o vestibular, para mim, não foi um bicho de sete cabeças. Desde o primeiro ano do Ensino Médio, eu tive a maturidade necessária para estudar com qualidade o conteúdo proposto pelas universidades às quais me candidatei. O resultado? Fui aprovado em quatro faculdades de Medicina, como primeiro lugar em três delas. E a quem devo grande parte do que aprendi? A você, Kumonzinho e à querida tia Bet, que jamais me deixou desistir de você".
Não tenho dúvida que Jacotot e Rancière gostariam muito de conhecer o aluno acima e comprovar suas ideias. Como alguém pode ter dúvida sobre as ideias dos dois teóricos, visto que podemos encontrar milhares de alunos no Kumon que aprendem sem explicações. 
O aluno aprende melhor ouvindo ou lendo? Observando ou ouvindo explicações?
(“...”) Na ordem do explicador, com efeito, é preciso uma explicação oral para explicar a explicação escrita. Isso supõe que os raciocínios são mais claros —imprimem-se melhor no espírito do aluno — quando veiculados pela palavra do mestre, que se dissipa no instante, do que no livro, onde estão inscritas para sempre em caracteres indeléveis. Como entender esse privilégio paradoxal da palavra sobre a escrita, do ouvido sobre a vista? Que relação existiria, pois, entre o poder da palavra e o do mestre?

Mas, a esse paradoxo logo segue-se outro: as palavras que a criança aprende melhor, aquelas em cujo sentido ela penetra mais facilmente, de que se apropria melhor para seu próprio uso, são as que aprende sem mestre explicador, antes de qualquer mestre explicador.No rendimento desigual das diversas aprendizagens intelectuais, o que todos os filhos dos homens aprendem melhor é o que nenhum mestre lhes pode explicar — a língua materna. Fala-se a eles, e fala-se em torno deles. Eles escutam e retêm, imitam e repetem, erram e se corrigem, acertam por acaso e recomeçam por método, e, em idade muito tenra para que os explicadores possam realizar sua instrução, são capazes, quase todos — qualquer que seja seu sexo, condição social e cor de pele— de compreender e de falar a língua de seus pais.

E, então, essa criança que aprendeu a falar por sua própria inteligência e por intermédio de mestres que não lhe explicam a língua, começa sua instrução, propriamente dita. Tudo se passa, agora, como se ela não mais pudesse aprender com o recurso da inteligência que lhe serviu até aqui, como se a relação autônoma entre a aprendizagem e a verificação lhe fosse, a partir daí, estrangeira.

O ilustre Jacotot, professor com mais de 30 anos de experiência, compartilhou esses pensamentos em pleno século XIX, o professor Toru Kumon, também com mais de 30 anos de experiência, desenvolveu um método que o aluno aprende sozinho na lógica dos “livros” (material didático autoinstrutivo). Eu e milhares de alunos que estudaram na Escola Técnica Federal no século XX aprendemos física sem professores explicadores, estudávamos em casa e comparecíamos à aula apenas externar o que aprendemos nos “Passos” (provas com 5 questões). Os alunos das Escolas Técnicas Federais eram os melhores nesta disciplina.

Jacques Rancière percebeu que os pensamentos de Joseph Jacotot são tão atuais e por isso trouxe na obra “Le Maître Ignorant” em 1987.  

Um aspecto importante destacado por Rancière na obra de Jacotot é que aprender por meio do professor é limitador, pois o aluno fica limitado a aprender com base nos conhecimentos do mestre. Por outro lado, aprender com os livros é caminho para emancipação, pois o aluno pode aprender qualquer coisa e pode aprender sempre. Um outro ponto que devemos refletir sobre o professor explicador é que ele pode sufocar o aluno:

Não se sobrecarrega a memória, forma-se a inteligência. Eu compreendi, diz a criança,não sou um papagaio.Mais ela esquece, mais lhe parece evidente que compreendeu”.

Podemos revolucionar a educação do século XXI com essas formas de aprender. Nos tempos atuais temos muito mais livros e materiais didáticos, além da internet, para possibilitar que as pessoas aprendam sem explicações de um “Mestre Ignorante”.

E qual é o papel do mestre?

 O mestre deve ser um orientador para despertar a vontade da criança para que possa desbravar os livros. Para isso, é fundamental que o mestre acredite na inteligência da criança e indique os livros adequados, mas sem deixar de emancipá-lo para outros livros.

O mestre emancipador

Essas contingências haviam tomado, na circunstância, a forma de recomendação feita por Jacotot. Disso advinha uma conseqüência capital, não mais para os alunos, mas para o Mestre. Eles haviam aprendido sem mestre explicador, mas não sem mestre. Antes, não sabiam e, agora, sim. Logo, Jacotot havia lhes ensinado algo. No entanto, ele nada lhes havia comunicado de sua ciência. Não era, portanto, a ciência do Mestre que os alunos aprendiam. Ele havia sido mestre por força da ordem que mergulhara os alunos no círculo de onde eles podiam sair sozinhos, quando retirava sua inteligência para deixar as deles entregues àquela do livro.

Há embrutecimento quando uma inteligência é subordinada a outra inteligência. O homem — e a criança, em particular — pode ter necessidade de um mestre. quando sua vontade não é suficientemente forte para colocá-la e mantê-la em seu caminho. Mas a sujeição é puramente de vontade a vontade. Ela se torna embrutecedora quando liga uma inteligência a uma outra inteligência. No ato de ensinar e de aprender, há duas vontades e duas inteligências. Chamar-se-á embrutecimento à sua coincidência. Na situação experimental criada por Jacotot, o aluno estava ligado a uma vontade, a de Jacotot, e a uma inteligência, a do livro, inteiramente distintas. Chamar-se-á emancipação à diferença conhecida e mantida entre as duas relações, o ato de uma inteligência que não obedece senão aela mesma, ainda que a vontade obedeça a uma outra vontade.

A experiência pareceu suficiente a Jacotot para esclarecê-lo:pode-se ensinar o que se ignora,desde que se emancipe o aluno;isso é, que se force o aluno a usar sua própria inteligência. Mestre é aquele que encerra uma inteligência em um círculo arbitrário do qual não poderá sair se não se tornar útil a si mesma. Para emancipar um ignorante, é preciso e suficiente que sejamos, nós mesmos, emancipados; isso é. conscientes do verdadeiro poder do espírito humano. O ignorante aprenderá sozinho o que o mestre ignora, se o mestre acredita que ele o pode, e o obriga a atualizar sua capacidade.

3 comentários:

  1. Quanto mais estudo sobre como ocorre a aprendizagem dentro da mente de meus alunos mais me apaixono pelo Kumon e tenho certeza que estou oferecendo para eles o melhor.
    Glaucia Lopes

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  2. Olá Ednaldo,
    Passei aqui pelo seu blog, li o seu texto, achei muito interessante, você está de PARABÉNS!
    Tenha uma ótima semana!!!
    Att.
    Daniela Lima

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  3. Perfeito! Em inglês, então, os resultados são mais fantásticos, à medida que os alunos tornam-se melhores e mais rápidos que o orientador, sem perda de qualidade do estudo. Sou testemunha disso e é por isso que amo e vibro tanto com o Método Kumon.
    Parabéns, Ednaldo, como sempre!

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