A origem do problema é uma velha conhecida: a precariedade da educação brasileira

Dificuldade de encontrar mão de obra qualificada afeta economia brasileira

A origem do problema é uma velha conhecida: a precariedade da educação brasileira. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, metade dos trabalhadores brasileiro não completou nem o ensino fundamental.

JOSÉ ROBERTO BURNIER E MARCO ANTÔNIO GONÇALVESSão Paulo, SP
Edição do dia 13/08/2012
13/08/2012 21h05- Atualizado em 13/08/2012 21h06

A dificuldade de encontrar quem tenha preparação adequada pra preencher vagas afeta muitos setores da economia brasileira. É o apagão de mão de obra qualificada.
Pode não ter sido na velocidade da locomotiva chinesa. Mas é fato: a economia brasileira teve, na última década, o maior crescimento desde os anos 70. As empresas investiram, aumentaram a produção e, claro, precisaram de mais trabalhadores.
Entre 2001 e 2010, o país criou quase 18 milhões de empregos com carteira assinada, um aumento de 68%.
O que parecia um caminho para um ciclo virtuoso deu de cara com barreiras que muitos não previram, como as crises no exterior, outras escancaradas, como a precária infraestrutura do país e uma, que havia tempo estava embaixo do tapete: a falta de mão de obra qualificada. Mas o que é isso?
Mão de obra qualificada é o trabalhador que tem as qualidades mínimas exigidas para exercer a função para a qual ele está sendo contratado. Desde a mais simples até a mais sofisticada.
Ao investigar a origem do problema, o Jornal Nacional se deparou com uma velha conhecida: a precariedade da educação brasileira.
“No Brasil formou-se um desencontro. Um enorme desencontro entre a escola e o trabalho. Porque o trabalho se expandiu, as tecnologias evoluíram e a escola de um modo geral não conseguiu acompanhar. Ficou atrasada. Está no descompasso. Que é um descompasso que afeta muito o crescimento do país”, disse professor Relações do Trabalho - USP José Pastore.
Dos 192 milhões de brasileiros, 93 milhões estão aptos a trabalhar. O descompasso a que o professor se refere está entre o que essas pessoas oferecem e o que o mercado de trabalho precisa.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, cerca de 90% dos novos empregos no Brasil com carteira assinada exigem pelo menos o ensino médio completo, o antigo colegial. Só que quase metade dos trabalhadores não completou nem o ensino fundamental, da primeira à oitava série. E 16% enquadravam-se na condição de analfabetos funcionais, aqueles que, embora consigam ler, não são capazes de interpretar textos ou fazer as operações matemáticas mais simples.
Na fila do emprego o descompasso entre a escola e o trabalho fica ainda mais evidente. No centro de Manaus, uma fila se forma desde as 4h, todos os dias, ao redor do Sine, Sistema Nacional de Empregos, do Ministério do Trabalho. Todas as pessoas estão lá atrás de emprego. E das nove mil vagas oferecidas pelo Sine Manaus no primeiro semestre deste ano, cinco mil não foram preenchidas ainda, por causa da baixa escolaridade e da baixa qualificação profissional dos candidatos.
“Até para trabalhar mesmo como auxiliar de serviços gerais, hoje em dia está exigindo tudo. Segundo grau completo, curso também”, ressaltou Marinês de Souza Correa desempregada.
Em todo o país, segundo o Ministério, de quase 1,5 milhão oferecidas no primeiro semestre, pouco mais de 20% foram preenchidas.
“Muitas vezes, o trabalhador não tem o acesso à qualificação. E às vezes a questão da educação, ensino médio, fundamental, não é de uma qualidade que ele possa chegar pro processo seletivo e passar no processo seletivo. Então dificulta para o trabalhador”, destacou o diretor do Sine Tiago Medeiros.
O problema aparece mesmo entre quem já terminou o ensino médio. Os recrutadores tiveram que incluir até ditado no testes por causa dos erros em textos de funcionários nas empresas. Um teste foi feito por um aluno do terceiro ano de economia. De 30 palavras ditadas ele errou 28.
“Eles chegam de forma inadequada na universidade porque não teve uma educação básica. E vão reproduzir as mesmas práticas quando chegarem no mercado de trabalho. Aliás, já estão reproduzindo porque já estão pleiteando vagas para esse mercado”, afirmou a recrutadora Yolanda Brandão.
“É comum você encontrar um caixa que não sabe fazer conta, a não ser apertando o botão da maquina registradora. É comum encontrara alguém num call center que não sabe responder a terceira pergunta”, disse a professor da FGV-SP Luiz Carlos Cabrera.
Tamires Fontes do Nascimento que disputa uma vaga de estagiária estudou em escola pública. Como o ensino não foi bom, ela decidiu fazer cursinho para enfrentar o vestibular. O que era pra ser uma recuperação das matérias virou um choque.
“Cerca de 80% do material, do conhecimento que eu obtive durante o cursinho pré-vestibular, 80% era tudo coisa nova, tudo coisa que eu não aprendi na escola. No ensino fundamental, no ensino médio”, contou Tamires.
Trabalhador mal qualificado leva mais tempo para desempenhar as suas tarefas. A empresa gasta mais tempo e dinheiro para produzir. O produto fica mais caro e o Brasil vai ficando pra trás na concorrência com outros países.
Apesar de ser hoje a sexta maior economia do mundo, o Brasil está na rabeira quando o assunto é produtividade. Estamos na posição 46 numa lista que tem 59 países. Quando se analisa somente a educação, o buraco fica mais fundo. Somos o 54º.
“O mundo do trabalho não quer apenas canudo, apenas diploma. A escola de hoje ensina, na melhor das hipóteses, a passar no exame. Não ensina a pensar. E o trabalho moderno exige o pensamento. Nós vivemos numa sociedade do conhecimento em que se demanda muito mais neurônio do que músculo”, completou José Pastore.

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