Espaço para os erros


Segundo dupla de psicólogos franceses, exigir perfeição afeta o lado emocional das crianças e tende a prejudicar o rendimento escolar. Alunos devem saber que as falhas fazem parte do processo de aprendizado, aconselham


Fonte: Correio Braziliense (DF)


Rosemeire e Frederico se preocupam em acompanhar as lições do filho, Octávio, para o caso de surgir alguma dúvida: sem definição de nota mínima para parabenizar o menino

Na busca por garantir um bom desempenho Escolar dos filhos, muitos pais ficam em dúvida sobre qual é a melhor forma de agir. É mais eficaz pressionar crianças e adolescentes constantemente para que eles não percam a disciplina e mantenham sempre boas notas ou evitar o excesso de cobrança para que o estresse não prejudique o rendimento?

Dois pesquisadores franceses trazem novas informações que podem ajudar os pais nessa difícil tarefa. Depois de realizar um estudo com alunos do 6º ano do ensino fundamental (idade média de 11 anos), Frédérique Autin e Jean-Claude Croize, pesquisadores, respectivamente, da Universidade de Poitiers e do Centro Nacional de Pesquisa Científica, concluíram que, quanto mais tranquilos e com menos receio de falhar, melhor se saem os estudantes.

Segundo a pesquisa, publicada na edição deste mês do Journal of Experimental Psychology, a pressão para obter um bom desempenho e o medo de errar podem interferir no funcionamento da mente e prejudicar o rendimento dos estudantes. Para os especialistas, as crianças tendem a se sair melhor na Escola quando se sentem confiantes e são ensinadas a ver a falha como algo normal e parte do aprendizado. Essa abordagem, acreditam, garante melhores resultados que a pressão constante.

Para chegar a essa conclusão, ela e seu colega dividiram a pesquisa em três fases. Na primeira, 111 estudantes precisavam resolver problemas de anagramas que não tinham sido ensinados a solucionar. Para um grupo desses alunos, os educadores e os pais diziam, antes da tarefa, que a dificuldade e a falha são aspectos comuns do aprendizado. Para a outra parte, era simplesmente pedido que respondessem às questões. “Os estudantes do primeiro grupo trabalharam melhor do que os outros, especialmente nos problemas mais difíceis e, aparentemente, sem solução”, revela Autin.

O segundo experimento contou com 131 alunos. Em um primeiro momento, parte dos alunos teve de resolver um anagrama bem simples para seu nível de Escolaridade. Depois, todos tiveram de completar um teste de interpretação textual. Parte deles ouviu de adultos que o aprendizado é resultado de um esforço e outro não ouviu nenhuma mensagem. Nesse caso, os alunos com quem adultos tinham conversado e aqueles que já tinham resolvido o anagrama simples se saíram melhor que os demais.

Por fim, em um terceiro experimento, 68 crianças responderam a um questionário que incluía perguntas de interpretação de texto e sobre como eram cobradas por seus pais e professores. Os pesquisadores notaram, então, que aquelas que viviam sob menos pressão se saíram melhor nas perguntas de interpretação.

Autin esclarece ao Correio que muitas crianças crescem em um ambiente no qual há uma “obsessão com o sucesso”. “Reconhecer que a dificuldade é uma etapa crucial no processo de aprendizagem poderia parar com o círculo vicioso que faz com que momentos difíceis criem sentimentos de incompetência, que, por sua vez, resultam em deturpações no aprendizado”, salienta a coautora do estudo.

Insegurança
Apesar de a pesquisa ter sido feita na França, especialistas acreditam que fenômeno parecido pode ser observado em alunos brasileiros. Para a psicopedagoga Rosângela Medeiros, a preocupação dos pais em garantir um bom futuro para o filho pode levar a exageros. “Atendo crianças que têm dificuldade emocional, ansiedade e problemas de grafia decorrentes da pressão que os pais exercem”, conta. Nei Vieira, diretor de ensino fundamental II do colégio Galois, completa o raciocínio: “O estresse infantil começa, definitivamente, com a pressão da família e o medo de errar. Os pais mais rigorosos criam filhos inseguros, que apresentam maior desequilíbrio na hora de uma avaliação”, aponta.


Deixar claro para as crianças que o erro faz parte do processo de aprendizagem não significa que os pais não devem estar atentos ao desempenho dos filhos. É o que busca fazer o casal Rosemeire e Frederico Felipe, ambos de 45 anos e pais de Octávio, 9. “Quando ele está fazendo alguma atividade ou tarefa, eu e minha mulher procuramos ajudá-lo da melhor maneira possível, até porque alguma dúvida pode surgir. Porém, procuramos incentivá-lo a ter vontade própria. Ao contrário de alguns de meus amigos, não estabeleço uma determinada nota para parabenizar meu filho, apenas pedimos um bom desempenho”, diz o pai.

O educador Nei Vieira ressalta a importância da participação dos responsáveis na vida acadêmica das crianças e adolescentes. “A família não deve delegar apenas à Escola a tarefa de ensinar. A cobrança do pai deve ser saudável, para que o filho o veja como um amigo e aliado, não como um fiscal”, analisa. Mesmo com pouco tempo livre, a assistente social Gilmara Stoduto, mãe de Heitor, 10 anos, e Arthur, 7, não deixa de checar se eles cumprem seus deveres. “Trabalho o dia todo e só volto para casa à noite, quando verifico as tarefas. Nesse horário, eles já estão cansados e querendo fazer outras coisas, mas a sensação que tenho é que, mesmo reclamando, eles ficam satisfeitos em saber que nos preocupamos com eles, sem pressioná-los.”

Autonomia
À medida que os estudantes envelhecem, eles podem ganhar mais autonomia, acredita a psicopedagoga do Galois Adriana Ávila, mãe de três meninas, sendo que a mais nova, Isabela, 12 anos, ainda cursa o ensino fundamental. “Muitas mães ficam preocupadas e querem proteger o filho, mas essa atitude não faz com que a criança se desenvolva. Eu tenho o hábito de acompanhar a agenda da Isabela, vejo as tarefas e, assim, ela cria responsabilidade. Eu apenas exijo que ela dê o máximo de si e refaça as questões que errou para não cometer o mesmo erro mais de uma vez”, diz.


Nesse processo de aprendizado e conquista de autonomia, uma boa ideia é estabelecer um acordo claro com os pequenos, sugere Ângela Neves, coordenadora do colégio Marista. “A família deve orientar o filho e combinar uma espécie de contrato com ele, definindo bem os horários de estudar e brincar. Se ele utilizar o horário de estudo para ir ao computador, por exemplo, é importante que ele saiba que haverá uma consequência. Não concordo com uma estrutura familiar que não dá recursos para os filhos terem um bom resultado na Escola”, opina a educadora.

Duas perguntas para Frédérique Autin, pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade de Poitiers, na França
É comum que as crianças do Ensino Fundamental sintam medo de falhar, principalmente quando são pressionadas pelos pais?


Os pais não são os únicos responsáveis pela pressão que os filhos sentem. Os estudantes e colegas da Escola também desempenham esse papel. A pressão é, sobretudo, caracterizada por fazer com que a criança seja bem-sucedida a todo custo. É uma questão de Educação acadêmica e posição social.

A família poderia ser uma espécie de chave para ensinar a criança a lidar com a dificuldade?

A família precisa dar espaço para que os estudantes lidem com situações adversas. Ela forma a base para que as crianças se saiam bem na Escola. Eu acho que o progresso e o fato de que eles estão aprendendo alguma coisa, mesmo falhando, são um jeito coerente de ensiná-los que é comum errar e nem sempre temos sucesso em todas as atividades que fazemos.

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